Aspectos práticos da alteração da Lei de Franquias

Com a entrada em vigor da lei alterações significativas deverão ser percebidas pela comunidade empresarial

Por Igor Sá Gille Wolkoff e João Ubirajara Santana Júnior

 

A partir de março de 2020 entrará em vigor a Lei 13.966, de 26 de dezembro de 2019, a qual versa sobre o sistema de franquias no Brasil, restando revogada a lei anterior que disciplinava o tema (Lei 8.955/94). Com a entrada em vigor da referida lei algumas alterações significativas deverão ser percebidas pela comunidade empresarial brasileira.

Talvez a mais importante alteração trazida pela Lei 13.966/19 refere-se à relação existente entre franqueador e franqueado, restando expressamente consignado que não se trata de uma relação de consumo, dirimindo discussões judiciais sobre que se arrastam até os dias atuais, como o fato de o contrato de franquia ser de adesão e a vulnerabilidade do franqueado frente ao franqueador.

A celeuma se funda principalmente no fato de existirem duas empresas na relação de franquia (franqueador e franqueado), havendo a possibilidade do Judiciário, por vezes, analisar a questão sob o aspecto da hipossuficiência de uma das partes, notadamente o franqueado, como ensina Cláudia Lima Marques[1]:

“Certo é que a ‘vulnerabilidade’, no dizer de Antônio Hermann Benjamin, é a ‘peça fundamental’ do direito do consumidor, é o ‘ponto de partida’ de toda sua aplicação aos contratos.

Em se tratando de vulnerabilidade fática, o sistema do CDC a presume para o consumidor não-profissional (o advogado que assina um contrato de locação abusivo porque necessita de uma casa para a sua família perto do colégio dos filhos), mas não a presume para o profissional (o mesmo advogado que assina o contrato de locação comercial abusivo, para localizar o seu escritório mais próximo do fórum), nem a presume para o consumidor pessoa jurídica (veja art. 51, I, in fine, do CDC).

Isto não significa que o Judiciário não possa tratar o profissional de maneira ‘equivalente’ ao consumidor, se o profissional efetivamente provar a sua vulnerabilidade, que levou ao desequilíbrio contratual. (sem negrito no original).

Dessa forma, eventuais desequilíbrios da relação entre franqueado e franqueador, com a nova lei em vigor, não deve ser apreciado pelo Judiciário sob o viés da relação de consumo, ante a atual legislação afastar de forma expressa o Código de Defesa do Consumidor.

Cabe destacar que referida alteração não retira do franqueado a possibilidade buscar o judiciário para dirimir eventuais impasses na relação de franquia firmada, visto que o Código Civil vigente, o qual trouxe em si o princípio da boa-fé objetiva, também deve, e poderá, salvaguardar tanto o franqueado como o franqueador, por óbvio.

Contudo, em linhas gerais, normalmente a discussão com relação a existência ou não de consumo é trazida à lume pelo franqueado por este entender ser a parte geralmente mais vulnerável do negócio jurídico firmado (franquia), mas mesmo assim o Código Civil pode ser aplicado frente aos seus anseios.

Nos termos dos artigos 421[2] e 423[3], ambos do Código Civil, aplicáveis aos contratos de franquia ante a necessidade de sua adesão, a relação existente entre franqueado e franqueador encontra guarida na função social do contrato, assim como na interpretação mais favorável ao aderente, passando a contratação, dessa forma, ante a expressa previsão da nova Lei de Franquias (Lei 13.966/2019) a ser analisada sob esta ótica, e não mais pelo Código de Defesa do Consumidor.

Em outras palavras, como o contrato de adesão possui características diferentes das dos contratos padrões (convencionais), nos quais a vontade das partes contratantes é objeto de apreciação e expressa já na elaboração de suas cláusulas, torna-se imprescindível a possibilidade de sua alteração caso haja confronto de interesses dos envolvidos com os que a sociedade como um todo protege, tais como a dignidade da pessoa humana, a vida, os direitos e garantias individuais previstos na Constituição Federal (função social dos contratos).

Portanto, nada obstante essa importante alteração da legislação que tem como um de seus objetivos desafogar o judiciário e trazer mais segurança jurídica na elaboração de tais contratos, visando mais uma vez fomentar a economia, ante o crescimento das franquias no mercado brasileiro[4], tem-se como certo que ainda há a possibilidade de se discutir as cláusulas contratuais firmadas desde haja, de fato, um evidente desequilíbrio na relação franqueado x franqueador.

Outro ponto que chama atenção na atual legislação que regerá as franquias a partir de 26 de março de 2.020 refere-se à possibilidade de sublocação de imóvel entre franqueado e franqueador, havendo ainda a possibilidade do franqueador cobrar valor superior ao que paga ao proprietário do imóvel na locação originária do ponto comercial, desde que não implique excessiva onerosidade ao franqueado, garantida a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro da sublocação na vigência do contrato de franquia, nos termos do artigo 3º, parágrafo único[5], da Lei 13.966/2019.

Nada obstante, tal alteração encontra óbice na Lei 8.245/91, conhecida como Lei de Locação, uma vez que seu artigo 21 proíbe de forma taxativa a possibilidade de se cobrar na sublocação valor superior ao da locação, prevendo de forma expressa a possibilidade do sublocatário reduzir o aluguel.

Tratando-se de recente alteração, inevitavelmente será objeto de controvérsias, cabendo a resolução da celeuma ao judiciário, ocasionando inevitavelmente novas demandas e possível acúmulo de ações frente ao já sobrecarregado Poder Judiciário.

No mais, a nova Lei de Franquias traz, em geral, benefícios às partes contratantes. Exemplo disso é a manutenção da previsão já contida na legislação anterior acerca da relação entre franqueador e franqueado não gerar vínculo de emprego, restando renovada a segurança jurídica em tais contratos, eis que as partes previamente já têm conhecimento de que não há relação de emprego.

A atual legislação trouxe também novos requisitos à Circular de Oferta de Franquias, na tentativa de trazer maior transparência e segurança jurídica principalmente aos franqueados que devem aderir ao contrato de franquia, ante a possibilidade de arguição de nulidade do negócio jurídica com a devolução de todas e quaisquer quantias já adimplidas ao franqueador.

Além disso, em acréscimo ao já previsto na lei anterior que a Circular de oferta de franquia deveria ser por escrito e em linguagem clara e acessível, agora o atual artigo 2º, da Lei 13.966/19 determina que também o seja em língua portuguesa invariavelmente, além da possibilidade da franqueadora ser empresa estatal ou entidade sem fins lucrativos e ainda a previsão de elaboração de contratos internacionais, em contraponto ao artigo 8º da Lei 8.955/94, que previa a possibilidade de franquias somente aos sistemas de franquia instalados e operados no território nacional.

 


[1] MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 335[2] Art. 421.  A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato.[3] Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.[4] https://www.consumidormoderno.com.br/2020/01/28/nova-lei-das-franquias-muda/[5] Art. 3º […]Parágrafo único. O valor do aluguel a ser pago pelo franqueado ao franqueador, nas sublocações de que trata o caput, poderá ser superior ao valor que o franqueador paga ao proprietário do imóvel na locação originária do ponto comercial, desde que: […]

IGOR SA GILLE WOLKOFF – Advogado atuante nas áreas trabalhista e empresarial e sócio da Advocacia Castro Neves Dal Mas coordenando a Unidade de Campinas. Possui especialização em Direito e Processo do Trabalho pela Faculdade Cândido Mendes e MBA em Direito Empresarial pela FGV.
JOÃO UBIRAJARA SANTANA JUNIOR – Advogado atuante na área trabalhista e sócio da Advocacia Castro Neves Dal Mas coordenando a Unidade de Campinas. Possui especialização em Direito e Processo do Trabalho pela PUC Campinas e atualmente MBA em Gestão e Business pela FGV.