Por Igor Sa Gille Wolkoff e Fernando de Castro Neves
No Brasil, não é demais argumentar, que os processos judiciais, além de morosos, trazem certa dificuldade ao cidadão para a busca de determinados direitos que entende ser-lhe devidos. Nesse ponto, se há a dificuldade para a perseguição de um direito individual, tem-se como correto afirmar que ao se tratar de direitos perseguidos por uma coletividade, determinável ou indeterminável, torna-se ainda mais problemático.
Nesse sentido, surgem as Ações Civis Públicas que visam trazer soluções rápidas e equânimes a um determinado ou indeterminado coletivo de pessoas com interesses distintos, mas que entre si possuem um que seja comum a todos. Em outras palavras, referida ação visa proteção e salvaguarda dos interesses da coletividade, através de um único processo que abarca uma gama de pessoas que podem ser determinadas ou não.
Portanto, e de forma mais técnica a ação civil pública tem como norte salvaguardar os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, bem como restituir a coletividade em caso de dano efetivo responsabilizando o infrator, tendo sua previsão no artigo 129, inciso III, da Constituição Federal e na Lei 7.347/85, bem como no Título III do Código de Defesa do Consumidor.
Considerando a necessidade da decisão oriunda dessa ação coletiva ter efeito em face de toda a coletividade afetada, tem-se que o artigo 16 da Lei acima citada determina que a sentença de mérito em Ação Civil Pública fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, salvo se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas.
Explica-se, a decisão terá efeitos e será aplicada a toda a coletividade que estiver abarcada por aquele direito deferido na ação, mesmo que não façam parte do processo e os efeitos da decisão só poderão prevalecer dentro dos limites territoriais de atuação do magistrado que atuou no caso, não tendo efeitos em todo o território nacional.
E essa questão sempre foi tema de grandes debates jurídicos em virtude de entendimentos opostos quanto a existência ou não de limite territorial dos efeitos da decisão judicial exarada em Ação Civil Pública, justamente pela perseguição de segurança jurídica e celeridade processual, tendo a temática sido levada ao STF.
Assim, em recente sessão de julgamento, o Supremo Tribunal Federal formou maioria no julgamento do Recurso Extraordinário n. 1.101.937/SP, e, por conseguinte, deverá declarar a inconstitucionalidade do artigo 16 da Lei n. 7.347/85, com redação dada pela Lei n. 9.494/97, segundo o qual a sentença na Ação Civil Pública fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator.
O Relator foi acompanhado pelos votos dos Ministros Ricardo Lewandowski, Nunes Marques, Edson Fachin e pelas Ministras Carmen Lúcia e Rosa Weber, resultando em 6 (seis) votos por não acolher o Recurso Extraordinário, dessa forma, declarando a inconstitucionalidade do referido dispositivo legal.
O Ministro Gilmar Mendes pediu vistas dos autos, mas independentemente de seu voto e dos votos dos Ministros Marco Aurélio e Luiz Fux – os Ministros Dias Toffoli e Luís Roberto Barroso declararam-se impedidos –, o resultado no sentido da inconstitucionalidade, na prática, está proclamado.
A posição adotada pelo STF tem sido aquela já referendada pelo Tribunal Superior do Trabalho, afastando a limitação territorial e concedendo efeitos erga omnes da coisa julgada além do órgão prolator da decisão em Ação Civil Pública.
Este foi o entendimento do Ministro Breno Medeiros nos autos do processo 134500-57.2009.5.17.0141, publicado em 28/06/2019, da Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, nos autos do processo E-ED-RR-10411-03.2014.5.15.0024, publicado em 05/04/2019, que vale a pena transcrever:
“RECURSO DE EMBARGOS – INTERPOSIÇÃO SOB A REGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014 – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – COISA JULGADA – LIMITES SUBJETIVOS – EFICÁCIA ERGA OMNES Esta Corte firmou o entendimento de que os limites subjetivos dos efeitos da sentença proferida em Ação Civil Pública, apesar da previsão do artigo 16 da Lei nº 7.347/1985, ultrapassam a competência territorial do órgão prolator, alcançando eficácia erga omnes , na hipótese, correspondente a todos os empregados que laboram na base territorial da entidade sindical . Precedentes da SDI-1. Embargos conhecidos e providos ” (E-ED-RR-10411-03.2014.5.15.0024, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relatora Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, DEJT 05/04/2019).
Na prática, importante ser observado o efeito prático da decisão proferida pelo STF, e suas implicações no cotidiano das empresas que possuem sede em mais de um Estado Brasileiro.
Para melhor entendimento, cita-se como exemplo uma empresa que foi fiscalizada por uma denúncia de ausência de registro de determinados empregados no local de trabalho em sua unidade de Brasília/DF, desta denúncia, houve um inquérito administrativo perante o Ministério Público, e, este órgão, após diversos esclarecimentos da empresa, por se tratar de empregados terceirizados (abarcados pela lei da terceirização), não satisfeito, entendeu por apresentar Ação Civil Pública.
A ação foi julgada procedente, após diversos recursos, transitou em julgado, ou seja, houve o reconhecimento de que a unidade da empresa em Brasília deve efetuar o registro de trabalho destes empregados.
Bem, com a decisão do STF, referida decisão gera presunção de que todas as demais unidades da mesma empresa também estão sujeitas ao mesmo registo de emprego, assim, haverá descumprimento da decisão judicial (e automaticamente, imposição de multas) se fiscalizada a unidade de São Paulo/SP.
Ora, aí denota-se um ponto crítico da decisão do Supremo na esfera Trabalhista, pois ao impor penalidade direta em realidades distintas, há ofensa aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, até porque, ninguém poderá ser penalizado sem o devido processo legal, como reza nossa Carta Magna. E mais, no exemplo, poderíamos ter que respeitar o critério da dupla visita em uma fiscalização, caso seja um novo estabelecimento (art. 627 CLT).
Desta forma, pode se tornar muito temerária aplicação imediata da norma declarada inconstitucional no campo trabalhista, precavendo a defesa constitucional diante das peculiaridades regionais, do respeito ao contraditório e ampla defesa dos processos, a fim de evitar a presunção total e irrestrita da decisão regional.