Por Guilherme Neuenschwander Figueiredo

A tecnologia resulta igualmente em um atrativo ao poder diretivo, derivado de mecanismos que facilitam o controle sobre o trabalho e a organização, e serve no aspecto disciplinar para que se exija do empregado o respeito aos atributos inerentes ao contrato de trabalho.

Generalidades
Na relação de emprego, o regime jurídico do teletrabalho impõe muitos desafios aos empregadores, ainda mais por representar um sistema novo de prestação laborativa, imerso em inovações tecnológica (NTIC)¹ e, portanto, estranho ao tradicionalismo do controle empresarial.

Naturalmente que, o teletrabalho implica o trabalho realizado com os recursos às tecnologias de comunicação e informação exercido fora dos locais de trabalho da entidade empregadora, ou seja, trata-se de atividade desenvolvida em locais distantes da sede principal da empresa por meio da telemática.² Este tipo de trabalho encontra nas novas tecnologias um instrumento fundamental para melhorar a eficácia da organização e o desempenho do trabalhador, cuja atividade é facilitada com a utilização destas ferramentas de trabalho.³

A tecnologia resulta igualmente em um atrativo ao poder diretivo, derivado de mecanismos que facilitam o controle sobre o trabalho e a organização, e serve no aspecto disciplinar para que se exija do empregado o respeito aos atributos inerentes ao contrato de trabalho.

Contudo, o poder diretivo e de fiscalização no contexto do teletrabalho não é absoluto e deve ser relativizado quando necessário para se preservar equitativamente outro bem jurídico fundamental da relação de emprego, como é o caso do direito à privacidade.

Novas tecnologias e poder empregatício
Como se sabe algumas soluções tecnológicas propõem soluções panópticas, quase onipresentes na vida cotidiana, pois de modo geral os seus algoritmos permitem monitorar o desempenho profissional com dados em tempo real, inclusive com relatórios e gráficos da produtividade, alcançando a perfeição fiscalizatória que sequer teria sido idealizada por Bertham.

Como se realizassem uma profecia orwelliana,4 alguns programas de computador registram os sites de internet visitados e a frequência de acesso, fornecendo informações sobre os horários em que o trabalhador acionou cada tecla de seu instrumento de trabalho, ainda que a distância e no âmbito residencial.5

De maneira mais grave, e incisiva no aspecto da esfera individual, alguns softwares, para além do controle da jornada de trabalho e inatividade, exigem dos empregados a manutenção das câmeras constantemente ligada do computador, para efeito de captura de imagem (e gravação) em tempo real ou até para obtenção de foto minuto-a-minuto do rosto dos empregados e do ambiente domiciliar e familiar circunscrito ao tratamento de dados.

De modo objetivo, o regime de teletrabalho não justifica uma maior restrição da privacidade, até porque não se distingue no campo da subordinação jurídica o trabalho prestado no estabelecimento do empregador e o realizado à distância (art. 6º da CLT). O fato é que, a despeito do teletrabalho não exigir a prestação de serviços exclusivamente no âmbito residencial do trabalhador, ainda assim as novas tecnologias passaram a integrar o ambiente familiar e do cotidiano das famílias, inclusive no período de confinamento atual, e com isto o empregador deve ponderar se é ou não razoável utilizar algumas ferramentas ditas “inovadoras”, para o controle e fiscalização da execução do contrato de trabalho.

Em síntese, não se nega o livre exercício do poder empregatício para fiscalizar a rotina de trabalho, entretanto algumas soluções tecnológicas utilizadas no âmbito doméstico extrapolam os limites do razoável e invadem o campo da privacidade e dignidade individual6, como é o caso dos programadas de captura de imagem, gravação e recolha de fotos minuto-a-minuto dos empregados durante o dia de trabalho.

Teletrabalho, privacidade e Direito comparado
No Brasil, a regulamentação do teletrabalho (artigos 75-A à 75-E da CLT) é omissa no tocante aos limites de aplicação das novas tecnologias e proteção da privacidade na relação de emprego.

Para o direito comparado a situação é bem diferente, e se pode colher bons frutos normativos, a exemplo de Portugal. Por lá, o Código do Trabalho possui diversas regras jurídicas de proteção da privacidade e proteção de dados dos trabalhadores, inclusive para coibir práticas lesivas no campo da vigilância à distância (artigo 20º, 1 e 170º do Código do Trabalho), inclusive a Comissão de Proteção de Dados possui regulamentos próprios e específicos a respeito de possíveis condutas irregulares na utilização da tecnologia no âmbito do teletrabalho. Para a Comissão, em tese, alguns sistemas e software recolhem em excesso dados pessoais, promovendo o controle do trabalho num grau muito mais detalhado do que aquele que pode ser legitimamente realizado no contexto da sua prestação nas instalações da entidade empregadora.

Outros países da Europa seguem o mesmo conceito. Na Espanha, o Real Decreto-ley 28/20, em seu artigo 17, reconhece que as empresas devem estabelecer critérios para a utilização de dispositivos digitais, respeitando em todos os casos os padrões mínimos de proteção da privacidade de acordo com as práticas sociais e direitos legal e constitucionalmente reconhecidos.

A Itália, a regulamentação do teletrabalho, no setor privado, consta do Acordo Interconfederal7 de 9 de junho de 2004, e no artigo 5º diz que o empregador deve respeitar o direito do teletrabalhador à privacidade, assim, qualquer instalação de qualquer ferramenta de controle deve ser proporcional ao objetivo perseguido e deve ser realizada em conformidade com a lei.


Da Conclusão

Não importa o quão diferentes, ou até mesmo quão opostos sejam os propósitos das empresas no âmbito do teletrabalho: o fato é que o controle e a fiscalização por meio eletrônico necessitam de regulamentação adequada no Brasil, sob pena de violação aos direitos da personalidade, nomeadamente a privacidade.


Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTIC).
PEDREIRA, Pinho. O teletrabalho. Revista Ltr, São Paulo, v. 64, 5, p. 583, maio 2000.
ÁVILES, José Antônio Fernández; ROLDÁN, Victoria Rodrígues-Rico. Nuevas tecnologías y control empresarial de la actividad laboral es España. Revista Labour & Law Issues, v. 2, 1, p. 45-74, 2016. ISSN 2421-2695. p. 45.
WARD, Antón G.; WARD, J. J. Every breath you take: employee privacy rights in the workplace; an orwellian prophecy come true? Labor Law Journal, v. 49, 3, p. 897-, 1998.
SAKO, Emilia Simeão Albino. Trabalho e Novas Tecnologias. São Paulo: LTr, 2014., p. 164.
MOREIRA, Teresa Alexandra Coelho. A Privacidade dos Trabalhadores e as Novas Tecnologias de Informação: Contributo para um Estudo dos Limites do Poder de Controlo Electrónico do Empregador. Coimbra: Almedina, 2010. p. 421.
Na Itália, os Acordos Interconfederais, embora não tenham efeito erga omnes, são acordos de direito consuetudinário que vinculam empregadores e trabalhadores aderentes ao registrado com as associações signatárias. Eles também vinculam os funcionários e eu empregadores que, embora não estejam registrados nas organizações estipuladoras, aderem explicitamente ao Contrato ou reconhecê-lo implicitamente, transferindo seu conteúdo nos contratos individuais de trabalho.