Contrato verde e amarelo e a redução da alíquota do FGTS

Por Por Guilherme Neuenschwander Figueiredo e Igor Sa Gille Wolkoff

Generalidades
A edição da MPV 905/2019 (Contrato Verde e Amarelo), pelo Governo Federal, levou ao cenário jurídico diversos questionamentos sobre a sua constitucionalidade, servindo como pretexto para a propositura de ações declaratórias de inconstitucionalidade ao Supremo Tribunal Federal (ADI 6.261, ADI 6.265, ADI 6.267 e ADI 6.285). Do seu texto, um dos pontos de maior cizânia diz respeito à redução da alíquota mensal relativa à contribuição devida para o FGTS, no caso da celebração do chamado Contrato Verde e Amarelo.

Há quem defenda a inconstitucionalidade sob o aspecto formal, por conter dispositivo de competência exclusiva de lei complementar, como o caso da redução da indenização sobre o saldo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (“multa de 40% do FGTS”), no caso de rescisão do contrato de trabalho Verde e Amarelo[1].

Contudo, no aspecto material, a discussão de grande divergência é a redução da alíquota do FGTS, previsto no artigo 7º da MPV:

Art. 7º  No Contrato de Trabalho Verde e Amarelo, a alíquota mensal relativa à contribuição devida para o FGTS de que trata o artigo 15 da Lei 8.036, de 1990, será de dois por cento, independentemente do valor da remuneração.

A redução desta alíquota é controvertida, como também é controvertido o propósito da contratação por prazo determinado da MPV 905. Sob o pretexto da geração de empregos, a sua regulamentação possibilitou a flexibilização de um rol de direitos nele previstos, por imposição do chamado Direito do Trabalho de emergência[2], como a possibilidade de pagamento diluído e mensal do 13º salário e férias proporcionais + 1/3, além da redução do adicional de periculosidade para 5%, dentre outros.

A solução imediatista da norma já é conhecida de outrora, como se viu com a Lei 9.601, de 21 de janeiro de 1998, ainda em vigor, conhecido com a alcunha de Contrato Provisório de Trabalho[3], o qual, doravante, igualmente possibilitou a redução do percentual para depósito do FGTS, de oito por cento para dois por cento, como estímulo financeiro ao mercado de trabalho[4], dentre outras benesses.

Por outro lado, a solução para empregabilidade no caso do Contrato de Trabalho da Lei 9.601/98, dada as suas peculiaridades, fracassou. Como diz Délio Maranhão: “Os riscos oferecidos pela lei foram de tal ordem que as empresas preferiram não constituir passivo trabalhistas”[5].

Para o Contrato Verde e Amarelo as oportunidades são outras, e não é possível ainda vislumbrar se ocorrerá uma avalanche de empregos ao longo dos anos, a despeito das suas controvérsias.

Da redução da Alíquota mensal do FGTS da MPV 905
Como se viu o Contrato Verde e Amarelo, em seu aspecto de maior impacto social, prevê a redução da alíquota mensal da contribuição devida para o FGTS, de oito por cento para dois por cento, independentemente do valor da remuneração.

A alíquota de oito por cento do FGTS para todos os trabalhadores está previsto no artigo 15 da Lei 8.036, de 1990, percentual adotado desde a década de 60 com a Lei 5.107, de 1966, ainda sob a vigência da Constituição de 67.

O contrato de trabalho do aprendiz foi a primeira modalidade contratual a reduzir o percentual histórico para dois por cento, conforme previsto no artigo 15, § 7º, da Lei 8.036/90, redação da Lei 10.097/2000, tendo como justificativa de que os aprendizes geram custos aos empregadores, como o pagamento das aulas teóricas, a manutenção de responsáveis quase individuais para cada aprendiz ou grupo de aprendizes, assim, os custos indiretos justificam um pequeno equilíbrio nas contas, rebaixando o FGTS e alguns benefícios[6].

Em seguida, adveio o Contrato Provisório da Lei 9.601/98, o qual reduziu o índice para dois por cento. A justificativa para a modalidade de contrato especial, por prazo determinado, foi a necessidade de geração de emprego. Na prática, o modelo contratual instituído pela Lei 9.601, de 21.1.1998 — passados 20 anos de sua criação —, não se generalizou no País, não sendo largamente adotado no mercado de trabalho[7].

Agora, o Contrato Verde e Amarelo, de todo modo, renova a esperança do passado, e propõe aos empregadores um novo modelo de contrato por prazo determinado, especialmente ao oferecer uma pauta de vantagens, sem aquilatar as possíveis consequências desta medida no plano jurídico e os riscos da eventual ofensa ao princípio da isonomia.

O princípio da isonomia e o Contrato Verde e Amarelo
Na espécie, o princípio da isonomia preserva a igualdade de condições e tratamento na lei e vale como “princípio jurídico informador de toda a ordem jurídico-constitucional”[8], como um postulado de ordem prática, na medida em que todos os indivíduos com as mesmas características devem prever-se, através da lei, iguais situações ou resultados jurídicos[9].

Na condição de axioma constitucional e estruturante dos direitos fundamentais, a isonomia detém relevante papel de proteção da relação de emprego, com normas constitucionais garantistas da igualdade material, como a proibição de diferenças de salários, de exercício de funções, e de critérios de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil e qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência (artigo 7º, incisos XXX e XXXI)[10], além da vedação da distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual (artigo 7º, inciso XXXII), assegurada a igualdade de direitos entre trabalhadores com vínculo empregatício permanente e os trabalhadores avulsos (artigo 7º, inciso XXXIV).

No ponto de vista da eficácia horizontal entre particulares, o princípio da igualdade garante a sua aplicabilidade entre particulares, e em regra a norma jurídica não poderá prever situações de desigualdades concretas entre trabalhadores nas mesmas condições, o que a rigor não é o caso do Contrato Verde e Amarelo.

A predeterminação de prazo para a celebração do Contrato Verde e Amarelo, e dadas as peculiaridades da busca pelo pleno emprego (artigo 170 da Constituição), afastam as possíveis desigualdades de tratamento na lei. Por analogia ao caso, serve a lição de Sérgio Pinto Martins[11] a respeito da aplicação do princípio:

Inexiste violação ao princípio da isonomia pelo fato de que a Lei 9.601 não exige a motivação da contratação, como ocorre no §2º do artigo 443 da CLT ou no art. 9º da Lei n. 6.019/74, pois a regra prevista na Lei 9.601 tem vigência temporária de 36 meses para a redução de encargos sociais, de forma a proporcionar a contratação de trabalhadores, minorando os efeitos do desemprego. De certa maneira, a Lei 9.601 atende ao inciso VIII do artigo 170 da Constituição, visando à busca do pleno emprego, ainda que em contrato por tempo determinado.

No dizer da ministra Carmen Lúcia, em julgamento recente (ADI 1.764), assim se pronunciou sobre a aplicação do princípio da igualdade às relações de emprego:

Diferente do que defendem os autores, a isonomia constitucional não impõe tratamento único a todos os trabalhadores da iniciativa privada independente do regime a que se submetem e aos acordos e contratos trabalhistas firmado. Para José Afonso da Silva: “(…) o princípio [da igualdade] não pode ser entendido em sentido individualista, que não leve em conta as diferenças entre grupos. Quando se diz que o legislador não pode distinguir, isso não significa que a lei deva tratar todos de modo abstratamente igual, pois o tratamento igual — escreve Petzold — não se dirige a pessoas integralmente iguais entre si, mas àquelas que são iguais sob os aspectos tomados em consideração pela norma, o que implica que os ‘iguais’ podem diferir totalmente sob outros aspectos ignorados ou considerados como irrelevantes pelo legislador. Este julga, assim, como ‘essenciais ou ‘relevantes’ certos aspectos ou características das pessoas, das circunstâncias ou das situações nas quais essas pessoas se encontram, e funda sobre esses aspectos, ou elementos, as categorias estabelecidas pelas normas jurídicas (…). Vale dizer que as pessoas ou situações são iguais ou desiguais de modo relativo, ou seja, sob certos aspectos. Nesse sentido já se pronunciou também Seabra Fagundes, para lembrar que ‘os conceitos de igualdade e de desigualdade são relativos, impõem a confrontação e o contraste entre duas ou várias situações, pelo que onde uma só existe não é possível indagar de tratamento igual ou discriminatório?” (SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2009, 5ª ed., p. 75, grifos nossos).

A rigor, em um primeiro momento, não se mostra vívida a ideia da falta isonomia do conceito do Contrato Verde e Amarelo, como também em relação à redução da alíquota mensal de depósito do FGTS.

A lei não trata de maneira desigual pessoas na mesma condição jurídica e em igualdade de condições. O tratamento diverso, no caso, decorre da natureza diversa das modalidades contratuais, exegese do artigo 5º, I da Constituição. No caso da redução do FGTS, independentemente da historicidade do percentual de 8%, a realidade do contrato a termo é outra, passível da redução por lei ordinária — sem prejuízo

Da Conclusão

Por certo, ainda é muito cedo para falarmos sobre o seu conteúdo eventual inconstitucionalidade, ainda mais quando existem precedentes em sentido contrário no STF, contudo, ainda assim, o texto definitivo depende da avaliação do Congresso.

Neste momento, não se sabe ao certo se a MPV 905 será aprovada ou não, reduzido o texto ou devolvido, ainda mais pelo fato de sua tramitação depender da análise do total de 1930 emendas e diversos requerimentos para devolução da matéria, nomeadamente por alterar de maneira significa 59 artigos da CLT e revogar outros 37 dispositivos.

De maneira preliminar ainda é precipitada entender por risco aos direitos fundamentais no tocante à celebrado desta modalidade de contratação a termo.


1 Inteligência artigo 62, §1º, inciso III, da Constituição, combinado do dispositivo7º, I da Constituição e artigo 10, I da ADCT.

2 BARROS, Alice Monteiro de – Curso de Direito do Trabalho. 5.ª ed. São Paulo: LTR, 2009. p. 1010. ISBN 978-85-361-1279-4.

3 DELGADO, Mauricio Godinho – Curso de Direito do Trabalho. 14.ª ed. Sâo Paulo: LTR, 2015. ISBN 978.85.361.3218-1.

4 Da mesma maneira, a inconstitucionalidade do Contrato Provisório foi questionada, a exemplo da ADI 1764-4, o qual o mérito ainda não foi julgado, a despeito da vigência da lei há mais de 20 anos.

5 MARANHÃO, Délio – Instituições de Direito do Trabalho, São Paulo: Ltr, 2002. p. 260.

6 DA SILVA, Homero Batista Mateus – CLT. Comentada. Revista dos Tribunais: São Paulo, 2019. p. 693.

7 DELGADO, Mauricio Godinho – Curso de Direito do Trabalho. 14.ª ed. Sâo Paulo: LTR, 2015. p. 693.

8 CANOTILHO, J.J. Gomes – Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7.ª ed. Coimbra: Almedina, 2012, p. 432.

9 CANOTILHO, J.J. Gomes. op. cit. p. 427.

10 SILVA, José Afonso da – Curso de Direito Constitucional Positivo. 20.ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 224.

11 MARTINS, Sérgio Pinto. Contrato de trabalho de prazo determinado e banco de horas: Lei n. 9.601/98. São Paulo: Atlas. 3ª ed. 2000. p. 26.


Esse artigo de opinião foi publicado no site Consultor Jurídico no dia 17 de Fevereiro de 2020, para ler a matéria na integra acesse esse aqui.