Por Igor Sa Gille Wolkoff e Guilherme Neuenschwander Figueiredo

Com a necessidade e obrigatoriedade do isolamento social impostos pela atual conjuntura e gravidade do coronavírus, fez-se imprescindível que vários profissionais migrassem de forma inopinada para o trabalho em suas residências.

Com a decretação da pandemia ante a covid-19, o que já perfaz mais de um ano, tem-se como certo afirmar que o cotidiano das pessoas em muito foi afetado, trazendo grandes mudanças no dia a dia, tendo os impactos sido sentido nas mais diversas áreas, tais como a social e econômica, e também porque não dizer no meio ambiente de trabalho.

Como se sabe o trabalho realizado de forma remota há muito vinha sendo implantado, de forma insipiente ainda, e tratava-se de uma opção de empregadores e empregados frente a Revolução 4.0. Com a necessidade e obrigatoriedade do isolamento social impostos pela atual conjuntura e gravidade do coronavírus, em especial ante ao aparecimento de mutações advindas de diversas partes do mundo, fez-se imprescindível que vários profissionais migrassem de forma inopinada para o trabalho em suas residências.

A partir de então, tornou-se o que era opcional obrigatório e o home office passou a ser a realidade das profissões que assim era possível, visto que, como é de conhecimento, grande parte da população brasileira não teve como aderir a forma remota de trabalho, pela realidade da prestação de serviços em si. Ou seja, aquelas profissões que puderam migrar ao trabalho remoto residencial representam tão somente 9,1% dos 80,2 milhões de ocupados e não afastados, segundo estudo elaborado pelo IPEA em novembro de 2020¹.

E com a obrigatoriedade do trabalho realizado nas residências desta gama de trabalhadores, alguns pontos de preocupação foram surgindo ao longo dos meses, tais como o direito a desconexão. E a referida preocupação gira em torno do home office, o qual pode ser considerado uma modalidade de teletrabalho.

Enquanto o teletrabalho pode ser exercido mediante previsão contratual seja da residência do empregado, seja de qualquer lugar que melhor lhe convir, bastando ser realizado preponderantemente fora das dependências do empregador e sem controle de jornada, o home office, por outro lado, pode ser realizado também de forma remota por apenas determinado período de tempo, ou ainda de forma eventual, sendo o restante do período realizado no ambiente de trabalho e necessariamente com o devido controle de jornada.

Destarte, a lei 12.551/11, alterou o artigo 6º da CLT para constar que os meios telemáticos, tais como e-mails, WhatsApp, Telegram, dentre outros, permitem o contato entre empregador e empregado, não se distinguindo entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado.

Pois bem, estando o trabalhador em sua residência com acesso ao computador e ao ambiente de trabalho de forma muito fácil e considerando as atividades que devem ser entregues independentemente se há uma pandemia ou não, por vezes o tempo de descanso e de trabalho se entrelaçam até mesmo sem a devida atenção do trabalhador. E é justamente nesse ponto que pode haver afronta ao direito à desconexão, o qual nada mais é do que o tempo destinado ao descanso, a atividades pessoais e à sua família, ter tempo livre para se dedicar a si, mantendo a higidez sociológica e física.

Muito embora não haja no ordenamento jurídico brasileiro dispositivo legal prevendo expressamente o direito à desconexão, há aparatos legais que visam garantir ao trabalhador seu descanso, tais como o limite diário e semanal de jornada de trabalho (art. 59 da CLT), o período de férias anuais (art. 133 da CLT), dentre outros.

Contudo, segundo a pesquisa “Trabalho remoto/home-office no contexto da pandemia covid-19”, realizada por pesquisadores da UFPR – Universidade Federal do Paraná – com apoio da REMIR – Rede de Monitoramento Interdisciplinar da Reforma Trabalhista, 34,4% dos trabalhadores entrevistados alertaram que sua jornada aumentou a mais de oito horas diárias na modalidade remota, tendo ocorrido, assim, aumento de 113% ao que ocorria em período anterior a pandemia do coronavírus em que apenas 16% dos trabalhadores assim relataram. Nesse mesmo sentido, a pesquisa também apurou que durante a pandemia e o isolamento social, os quais obrigaram o trabalho em home office, 18,1% dos entrevistados afirmaram ter que trabalhar 6 dias por semana, sendo que antes da pandemia somente 8,39% assim atestaram; e ainda pior 17,7% alegam ter que trabalhar todos os dias da semana nesse período de pandemia enquanto antes eram apenas 2,32% dos entrevistados, ou seja, houve um aumento de mais de 660%².

E justamente para evitar-se que haja problemas nessa área tão sensível e também por não haver uma regulamentação especifica sobre o tema desconexão ao trabalho, as empresas de maneira geral devem ficar atentar visando coibir que seus colaboradores trabalhem de forma cotidiana em jornada que possa ser considerada extenuante, a qual retira do ser humano o direito ao seu lazer, ao convívio social e familiar.

Assim, necessário que os empregadores tenham em mente a criação de estratégias visando a adoção de medidas que preservem a correta jornada laboral dos empregados para que não transformem esse período tão enriquecedor, em que as pessoas foram forçadas a trabalhar em home office, mas que se demonstrou a possibilidade da adoção de tal prática, em um passivo trabalhista para concorrer com os prejuízos decorrentes da pandemia de coronavírus.

De início, a empresa deve deixar claro com seus colaboradores a necessidade de respeitar os horários de trabalho e adequar os compromissos à mesma, esclarecendo a toda a equipe os procedimentos do trabalho e as jornadas que devem ser respeitadas visando que os colaboradores possam também organizar suas responsabilidades pessoais e familiares.

Outro exemplo de maneira a minimizar eventuais prejuízos advindos do home office e a confusão entre a vida profissional e pessoal pode ser retirado do Relatório elaborado pela Organização Internacional do Trabalho, em 16 de fevereiro de 2021³:
“Estes objetivos podem ser alcançados comunicando expectativas realistas de forma eficaz, estabelecendo prazos exequíveis que tomem em conta o contexto altamente invulgar em que o teletrabalho se realiza atualmente, garantindo simultaneamente a continuidade das atividades e o nível de desempenho exigido.

Sem qualquer experiência de teletrabalho prévia, ou com experiência muito limitada, equipas
e unidades de negócio inteiras a trabalhar a partir de casa podem sentir uma falta de clareza
em torno das prioridades e das tarefas que precisam de realizar. Muitas organizações em que o
teletrabalho era praticamente inexistente foram confrontadas de repente com um sistema de
trabalho desconhecido (Eurasia Review, 2020).

Bem assim, ainda utilizando como apoio o Relatório acima mencionado, a OIT entende como boas práticas empresariais visando o equilíbrio entre as obrigações pessoais e profissionais e a adequação às exigências, tarefas e prazos respectivos as medidas abaixo:
Solicitação para a equipe preparar plano de trabalho individual de teletrabalho (complementar e não substituto os atuais planos de trabalho e procedimentos conexos);
Deixar claras prioridades do que é essencial ou realista nas atuais circunstâncias.

Acordar um sistema comum para sinalizar a disponibilidade para o trabalho e garantir que tanto a gestão como as (os) colegas o respeitam.

Dividir as equipes em grupos menores e multifuncionais, cada uma com uma missão e linhas de registro claras, para facilitar a implementação de diretrizes e a execução das tarefas.

Encorajar os trabalhadores a comunicar sempre que se sintam sobrecarregados e determinar quando as tarefas ou os membros da equipe têm de ser realocados.

Realizar um mapeamento de competências do pessoal envolvido, para que os colaboradores não sejam subaproveitados.

Incentivar a partilharem exemplos de alterações que introduziram nas suas rotinas diárias e que funcionaram bem.
Reconhecer que o tempo offline é necessário para que o trabalho substantivo seja bem feito.

No entanto, não só as empresas, mas também os trabalhadores devem ter em mente que fazem parte dessa equação e precisam realizar sua parte para que o home office seja de fato uma modalidade de trabalho proveitosa a ambos. Nesse sentido, deve-se sempre esquematizar sua jornada de trabalho e atividades para que possa otimizar o tempo despendido em cada tarefa organizando sua jornada e seus afazeres para salvaguardar sua saúde e sua segurança.
Ainda, merece destaque esclarecer que o trabalhador também é responsável por meio ambiente de trabalho seguro com relação a doenças e acidentes, segundo teor do artigo 158 da CLT, acarretando a sua vigilância quanto a postura e forma de trabalhar ao longo da jornada de trabalho.

Nesse sentido, resta muito claro que o home office veio para ficar como mais uma forma de prestação de serviços aos empregadores culminando em diversas comodidades ao trabalhador, tais como o tempo gasto no trajeto, o melhor convívio social, assim como ao empregador que terá uma equipe de pessoas mais engajada e feliz no trabalho; mas é importante salientar que para que haja de fato benefícios recíprocos, deve haver um objetivo comum: a melhoria constante do meio ambiente de trabalho nas residências dos trabalhadores, responsabilidade está de todos os envolvidos.