Da retroatividade da lei de improbidade administrativa

Por Bruno Gomes Santana

Em 25 de outubro de 2.021, foi introduzido ao ordenamento jurídico a PL2505/21 (número anterior 10887/18), que trata da reforma de Improbidade administrativa quanto as sanções aplicáveis que são destacados, em síntese, no texto do artigo 37 da Constituição Federal.

A nova redação da lei de improbidade incluído pela lei 14.230/2021 apresentou diversas alterações no texto normativo, sendo o de maior relevância a necessidade do dolo para que os agentes públicos sejam eventualmente responsabilidades pelos crimes previstos na lei citada, sendo que, no texto anterior, era possível a responsabilização do agente por atos de imprudência, imperícia ou negligência.

O artigo 10 e 11 da Lei 8.429, em síntese, deixa claro a necessidade do dolo para que seja aplicada qualquer penalidade em face do agente público, veja-se:

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente:

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas: 

Assim, além da especificação do Dolo para eventual responsabilização do agente pública, foram apresentados novos meios mais benéficos aos agentes eventualmente penalizados, sendo as principais mudanças:

  • Agora, o agente somente poderá ser afastado de suas funções por conta da instrução processual por somente 90 (noventa) dias, prorrogável uma única vez por igual prazo;
  • No caso de dano ao erário, poderá o agente público parcelar o débito em até 48 (quarenta e oito) meses, do valor atribuído em sentença condenatória;
  • Determina uma ordem de bloqueio de bens materiais semoventes, e somente na inexistência destes, um eventual bloqueio da conta bancária do agente público;
  • As penas aplicadas em face do agente em outras esferas do judiciário, serão compensadas nas penalidades previstas na lei de improbidade;
  • Prevê a possibilidade de impedir a tramitação da ação de improbidade, em caso de existência de ação penal que trata dos mesmos fatos, desde tenha ocorrido a absolvição pela turma colegiada;

Logo, as normas atualmente vigentes, tiveram a finalidade de promover aos agentes públicos, que estes somente fossem penalizados em caso do ato doloso (intenção do agente em causar o dano ao erário), e prevê a proteção de seus direitos civis e políticos.

Isto posto, cabe destacar quer atualmente, existe em tramitação no Supremo Tribunal Federal, um Agravo em Recurso Extraordinário de nº 843.989 com Repercussão Geral, do relator Ministro Alexandre de Moraes, que trata da possibilidade da retroatividade da lei de improbidade quanto a necessidade do dolo para penalização:

definição de eventual (IR)RETROATIVIDADE das disposições da Lei 14.230/2021, em especial, em relação: (I) A necessidade da presença do elemento subjetivo dolo para a configuração do ato de improbidade administrativa, inclusive no artigo 10 da LIA; e (II) A aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente.” (julgado em 25/2/2022, Tema 1199).

A revisão do Supremo quanto ao tema na ação supracitada é necessária, uma vez que a possibilidade da retroatividade é prevista no artigo 5º, inciso XL da Constituição Federal de 1.988, sendo esta conhecida como a retroatividade da norma punitiva mais benéfica, que vem em conformidade as garantias constitucionais, conforme lesiona o exímio dr. Fábio Medina Osório: Não há dúvidas de que, na órbita penal, vige, em sua plenitude, o princípio da retroatividade da norma benéfica ou descriminalizante, em homenagem a garantias constitucionais expressas e a uma razoável e racional política jurídica de proteger valores socialmente relevantes, como a estabilidade institucional e a segurança jurídica das relações punitivas. Se esta é a política do Direito Penal, não haverá de ser outra a orientação do Direito Punitivo em geral, notadamente do Direito Administrativo Sancionador, dentro do devido processo legal.

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1 – Art. 37. § 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
2 – Art. 19. § 2º O afastamento previsto no § 1º deste artigo será de até 90 (noventa) dias, prorrogáveis uma única vez por igual prazo, mediante decisão motivada.
3 – Art. 18. § 4º O juiz poderá autorizar o parcelamento, em até 48 (quarenta e oito) parcelas mensais corrigidas monetariamente, do débito resultante de condenação pela prática de improbidade administrativa se o réu demonstrar incapacidade financeira de saldá-lo de imediato.
4 – Art. 16. § 11. A ordem de indisponibilidade de bens deverá priorizar veículos de via terrestre, bens imóveis, bens móveis em geral, semoventes, navios e aeronaves, ações e quotas de sociedades simples e empresárias, pedras e metais preciosos e, apenas na inexistência desses, o bloqueio de contas bancárias, de forma a garantir a subsistência do acusado e a manutenção da atividade empresária ao longo do processo.  
5  – Art. 21. § 5º Sanções eventualmente aplicadas em outras esferas deverão ser compensadas com as sanções aplicadas nos termos desta Lei.
6 – Art. 21. § 4º A absolvição criminal em ação que discuta os mesmos fatos, confirmada por decisão colegiada, impede o trâmite da ação da qual trata esta Lei, havendo comunicação com todos os fundamentos de absolvição previstos no art. 386 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal).
7 – Em 3 de março de 2022: “(…) DECRETO a SUSPENSÃO do processamento dos Recursos Especiais nos quais suscitada, ainda que por simples petição, a aplicação retroativa da Lei 14.230/2021. Comunique-se com urgência o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Publique-se.”
8 – XL – a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;
9 – OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000